terça-feira, outubro 27, 2009

O Caim de Saramago

Ossada de burro donde Caím extraiu a queixada para matar Abel

Depois do castigo do senhor, Caím vagueou por sítios áridos, como este

Acabou por se juntar a uma "caravana ou récua?" de burros como esta

quarta-feira, outubro 21, 2009

Dois portugueses morrem em tiroteio

"Espanha:
Dois portugueses morreram hoje na sequência de um tiroteio ocorrido perto de um restaurante do Polígono Tecnológico da localidade de Ogíjares, em Granada, sul de Espanha.
O incidente ocorreu por volta das 14h30 locais e, de acordo com a Guarda Civil, as duas vítimas de nacionalidade portuguesa receberam vários tiros, depois de uma violenta discussão.
O presumível autor dos disparos ficou ferido, mas conseguiu sair do local, tendo sido posteriormente detido pela Guarda Civil. As autoridades policiais avançam também que o suspeito, de 30 anos, é natural de Granada e tinha em sua pose três armas de fogo, tendo os disparos sido efectuados com um revólver. "
Nota: é muito importante que se esclareçam as circunstâncias e causas do tiroteio: ajuste de contas de traficantes que não acordaram na distribuição dos lucros? Rivalidades familiares, como muitas vezes acontece?

sexta-feira, outubro 16, 2009

Diz-me onde moras...

Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada.
Por exemplo.
Há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios,comprou um andar em Carnaxide.
Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide.
Nunca mais ninguém o viu.
Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia!
Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide.
Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que umas águas-furtadas em Cascais.
É a injustiça do endereço.
Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educação ou por curiosidade, onde é que vivemos.
O tamanho e a arquitectura da casa não interessam.
Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cacém, *Bobadela*, Abuxarda, Alfornelos, Murtosa, Angeja... ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.
Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, na Baixa da Banheira, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. (...)
Ao ler os nomes de alguns sítios - Penedo, Magoito, Porrais, Picha, Punhete, Venda das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para entrar na CEE.
De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa o Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar?
Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses.
Imagine-se o impacte de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um jantar.
Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde é?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).
E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?",
Só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Estremoz).
É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro?
Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do Garganta Funda.
Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela (em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso?
Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de uma Vergadelas? É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".
Ninguém é do Porto ou de Lisboa. Toda a gente é de outra terra qualquer.
Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir.
Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).
É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").
Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa. Verá que não é bem atendido. (...) Não há limites. Há até um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima!
Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros. Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais um Rissol. (...)
Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde),e acabando a comprar rebuçados em Bombom do "Bogadouro"(1), (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã).

¹ - Bogadouro é o Mogadouro quando se está constipado!!! "

(Miguel Esteves Cardoso)

terça-feira, outubro 13, 2009

Andar por aí

Nota: Foto captada de O Jumento.

sexta-feira, outubro 09, 2009

Ser Alentejano


Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que, à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte, mas foi no Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade; Évora é o berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras, um homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino, depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia, para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que, para o homem comum, fica muito longe, para um alentejano, fica já ali. Para um alentejano, não há longe, nem distância, porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o rei de Castela contava com um poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas, para que uma pessoa se ria de si própria, não basta ser ridícula, porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas, enquanto a alarvice diminui-as.
E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia muito, o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo molhado, em virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó amigo, por que é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor. «Isso queria eu, mas a janela está estragada.», respondeu o alentejano. «Então por que é que não troca de lugar?» «Eu trocar, trocava... mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção poderia um homem almejar?

Houve mesmo "escutas" em Belém

Nota: foto retirada de O Jumento, com a devida vénia.