20090913
Para uma resolução do flagelo dos incêndios
Para uma resolução do flagelo dos incêndios
Os recentes incêndios no distrito da Guarda são a razão próxima desta carta. As razões remotas são os muitos incêndios que todos os anos lavram em Portugal, em especial nos distritos despovoados do interior. Pretendo, muito modestamente, apresentar uma proposta para resolver este flagelo.Para uma resolução do flagelo dos incêndios. É ainda mais modesta que a de Jonathan Swift para resolver o problema da fome na Irlanda do século XVIII.Área ardida num ano é garantia para não arder nos próximos. Se não contarmos com S. Pedro, é mesmo a única garantia. Os fogos limpam as terras que antes eram de centeio, castanheiros e carvalhos e que agora, ao abandono, estão infestadas de giestas e codessos. Se não ardem num ano, arderão no seguinte. E se não for o fogo a fazer essa limpeza, ninguém faz. Explico porquê.
A pouca gente que resta nas aldeias é idosa e a área que cultivam é menos de cinco por cento da área cultivada nos anos 50. A maior parte dos donos das terras abandonadas vivem no estrangeiro ou no litoral, o proveito que tiram delas é nada e não valem o dinheiro necessário para mandar limpá-las. E quanto ao Estado proceder à limpeza, todos sabemos que a crise e o défice são grandes e tem de ajudar os ricos do litoral com mais estádios de futebol, estradas e metros de superfície, que os pobres do interior já estão habituados às agruras da vida.
Já que não se pode evitar os incêndios, deixe-se arder. É esta a minha modesta proposta. Daqui decorrerão vantagens múltiplas.Tiram-se as ilusões aos que persistem em viver nas aldeias de seus pais e avós. As escolas primárias já fecharam, e as igrejas pouco uso têm, que os padres são poucos e a meia dúzia de fiéis mal valem uma missa dominical. Mais vale levar todos os habitantes das aldeias para as sedes do concelho, onde terão o centro de saúde por perto e poderão visitar os familiares que já se encontram nos lares. Com esta deslocação da população os empreiteiros locais poderão fazer habitações sociais em vez de rotundas atrás de rotundas.Poupa-se o dinheiro do combate aos incêndios. Apagar fogos de giestas e codessos, em serras de difícil acesso, com aviões e helicópteros, é tão oneroso como matar moscas com canhões. Depois, evitam-se as deslocações de dezenas ou centenas de viaturas de bombeiros pelo país. Poupam-se os milhares de litros de gasóleo e ganham-se as horas perdidas ao trabalho pelos bombeiros. As economias serão enormes.E mesmo os órgãos comunicação, em particular as televisões, terão vantagens com esta proposta. O que perderão em dramatismo das imagens de populares agarrados a uns baldes de água frente às chamas e de carros de bombeiros com as sirenes a brilhar no escuro da noite ganharão com a maior ocorrência de incêndios e com a planificação dos mesmos. Nas áreas onde não houvesse incêndios há muito tempo, provocar-se-iam sob a régie das televisões. Poderiam preparar de antemão o devido enquadramento das filmagens e ainda teriam oportunidade de enviar as suas estrelas mediáticas para fazer a cobertura em vez de deixar o serviço aos apagados repórteres locais. Assim, podiam agendar-se incêndios à medida da necessidade das programações televisivas.O próprio Governo teria vantagens. Não correria, por exemplo, o risco de a inauguração de uma nova linha de metro em Lisboa ser ofuscada nos noticiários das 20h pelas chamas de giestas e codessos numa qualquer aldeola do interior do país. E, sobretudo, teria a vantagem de negociar e jogar com os diferentes canais de televisão as datas e locais de incêndio.
Somos um país ocidental, devedores do pensamento metódico de Descartes. Já que não temos condições para evitar os incêndios, deixemos arder então o que tem de arder, mas com método, e retiremos daí as devidas vantagens.
António Fidalgo, professor na Universidade da Beira Interior
Nota do Bloger: Atenção este senhor é professor universitário, logo, alguém com autoridade para ensinar. O que diz, parecendo que está a fazer humor, são coisas importantes. Em meu entender o serviço de prevenção e ataque aos fogos terá de alterar os procedimentos dedicando-se sobretudo à execução de queimadas controladas em Maio/Junho. O fogo é purificação, no caso limpeza. O inimigo tem de ser combatido com armas iguais ou equivalentes: se o inimigo é o fogo, a arma tem de ser o fogo.
Lembra-me aquele filme da década de 70/80 do século XX, salvo êrro "4884, grau farenheit" em que os bombeiros, em vez de apagar incêndios, procuravam tudo o que fosse papel, nomeadamente livros para queimarem, obrigando os cidadãos a decorar obras inteiras para que se mantivessem na posteridade e não se perdessem. Mas aí as motivações eram outras...
Concordo com o António Fidalgo e diria mais: há uma necessidade premente de as universidades estudarem a sério a origem e a dinâmica do fogo, porque não somos uma civilização de pirómanos.
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