Está criada a percepção de que o próximo Governo vai ser o capataz da troika. Essa percepção é correcta. O programa de contrapartidas é tão exigente e até irrealista nos prazos que "governar" será eufemismo para "cumprir", e "implementar" será uma forma elegante de dizer "combater" - combater a resistência passiva e activa de todos aqueles que perdem direitos ou o conforto da previsibilidade. Mas esta percepção não pode gerar outra, a de que votar é irrelevante, inconsequente, inútil. Não é. E não apenas porque há que escolher aquele que, mandando, vai obedecer.
Estas eleições nunca deviam ter existido porque a instabilidade política foi o prego que rompeu a última bóia que nos sustinha. Essa sangria final aconteceu em Março, com o chumbo do PEC 4. Mas a ferida foi aberta antes: em 2009, com a constituição de um Governo minoritário. A responsabilidade maior por este fracasso que é ter a quinta eleição em dois anos não é dos que gritam todos os dias nas televisões: é de quem ficou calado; é do Presidente da República, que não tentou ou falhou que o Governo de 2009 fosse de coligação. Se o exige agora, é porque pode. Se o não exigiu então, foi porque não quis.
Cavaco Silva dará agora posse a um Governo com maioria absoluta, provavelmente de coligação. Fá-lo porque a troika manda. E porque os mercados exigem. Ainda ontem, as agências avisaram que cortam o "rating" a Portugal se não houver maioria absoluta no Parlamento. A três dias das eleições. Um aviso? Não: uma ameaça. Um condicionamento. A prova de que a democracia está vergada aos mercados financeiros. É-lhes temente. Está a desgraçar-se.
Por isso é preciso votar. A condição de eleitor é maior que a de credor. Para fazer parte da decisão colectiva. Para dar força ao próximo Parlamento. Para que os partidos estejam não só legitimados mas, sobretudo, comprometidos. Com o que têm de fazer. Com o que não podem repetir.
Portugal é um dos cacos de uma Europa partida. Nessa Europa, lideranças fracas passeiam a sua majestosa insegurança pelos corredores de instituições desavindas. Há dois cenários no euro para resolver a "questão". O primeiro é purificar o euro, o que levaria à exclusão da Grécia e de Portugal. É um cenário improvável - mas os políticos que o defendem estão a ganhar votos nos seus países. O segundo cenário é o de uma maior união política, que leva ao federalismo, em que os ricos são fortes e os pobres são fracos, num empobrecimento subsidiado.
Entre o cenário da desagregação e o da agregação, Portugal luta contra a sua própria segregação. Vamos eleger quem cremos que pode cumprir melhor o plano da troika, que é inevitável e necessário. Vai ter sucesso? Dificilmente. Mas é a estrada de sentido único. Se saltamos dela, outros a ocuparão. Quando, ontem, Trichet falou em Ministério das Finanças Europeu, pensa que falava de quê? De fazer dos nossos ministérios as suas direcções-gerais. Se isso vier a ser necessário (na Grécia já é a troika que despacha as privatizações), é porque desistiram de nós; é porque falhámos.
Não devíamos ter tido em 2009 um Governo que caísse em 2011. Mas estas estúpidas eleições são importantes. Em Portugal não se governará contra a troika, mas com ela. É a única forma de manter uma voz nesta algazarra em que se tornou a Europa.
É a democracia que está em causa, com pá ou sem pá. Votemos neles, votamos por nós.
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